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O turismo como mercadoria da ocupação dos tempos livres e a despersonalização das cidades


    A ideia para esta publicação surgiu quando, no festival de cinema de Lisboa e Sintra, assisti ao filme “Lisbon Story” do realizador alemão Wim Wenders. O realizador esteve em Portugal, devido ao festival, para falar acerca do filme que trata da cidade de Lisboa, disse que hoje em dia era muito mais difícil fazer um filme sobre uma cidade porque a grandes cidades tem vindo a ser vítima de uma despersonalização nos últimos anos. Essa despersonalização deve-se ao turismo de massas e das cidades utilizadas como armadilhas para o capitalismo avançado
    Deve entender-se que em Marx se classifica como mercadoria algo que contribua para a satisfação da necessidade humana, e que o capitalismo avançado se define como a criação de falsas necessidades á sociedade. Nos últimos anos tem-se acentuado a necessidade que as pessoas têm de viajar seja por razões de lazer, negócios ou cultura. À satisfação dessa necessidade chamamos turismo.
    A necessidade do turismo nasce de uma crença de que devemos ocupar os tempos livres através de uma actividade associada ao lazer que por sua vez está associada ao consumo. Esta associação entre o lazer e o tempo livre já é antiga e utilizada pelo capitalismo para a criação de necessidades. Podemos assim perceber o turismo como mercadoria.
Sendo o turismo uma actividade cada vez mais lucrativa, as grandes cidades são transformadas em “armadilhas turísticas” que trabalham para a ocupação do tempo dos turistas. Com isto acontece uma despersonalização ou alienação das cidades que funcionam em torno da sua mercadoria para o entretenimento da mesma. Com a transformação das grandes cidades em mecanismos que tentam obter o maior número de lucros, os turistas deixam de conhecer as grandes cidades em si, e passam a conhecer apenas o que é estipulado que conheçam de forma a causar a experiência mais agradável possível e não uma real.
    No filme “Lisbon Story” são filmados locais que viriam a desaparecer numa mudança que Lisboa estava a passar na altura. Wim Wenders considera que estes locais que vão desaparecendo são a essência das cidades, são os não-lugares e que a arte, como o cinema, são uma forma de preservar o que a cidade já foi. Ele considera que ainda existem esses não lugares, são apenas mais difíceis de encontrar. O cineasta pensa ainda o capitalismo no turismo faz com que todas as cidades afetadas por esta ideologia se comportem da mesma forma perante os turistas, sendo que parecem ter todas a mesma essência.
    Tendo em conta estes factores entende-se porque é que o realizador considera que é tão difícil fazer um filme em homenagem a uma cidade, quando o filme tendo a mesma estrutura quase podia homenagear grande parte das grandes cidades do mundo. Apesar disto penso que ainda é possível conhecer uma cidade através dos seus moradores mais antigos, através de uma conversa em que essas pessoas possam exaltar a essência da cidade através da memória. O maior problema é que isto é apenas uma solução temporária devido às casas que costumavam acolher moradores serem agora hotéis e alojamentos locais dedicados a acolher turistas e gerar lucro, depressa deixará de haver moradores que realmente conheçam a cidade fazendo assim com que se dê uma despersonalização total.

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