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Muito Mundo


“Muito mundo” foram as palavras que o professor escolheu para iniciar este blogue, “Ponto”. De acordo com o próprio, foi o que lhe ocorreu no momento em que nos apresentava a proposta em aula. Esta proposta consiste em redigir um texto, com o tema à nossa escolha.
Escolhi usar, precisamente, estas duas palavras como pretexto e como motor de arranque e tema do meu trabalho, apesar de terem sido possivelmente entoadas sem nenhuma intenção ou mensagem que desejasse ser desvendada. Aqui começa um desafio que impus a mim mesma, na tentativa de perceber se um par de palavras, juntas por mero acaso, num momento de não reflexão podem, de facto, adquirir algum significado. Trata-se de uma intepretação pessoal e não tem como objetivo supor o que quereria o professor dizer com “Muito mundo”, porque, mais uma vez, a mais provável resposta seria: Nada. Apenas pondo este Muito Mundo enquanto sujeito de uma narrativa, tentando descobrir se, a partir deste sujeito, é possível surgir um predicado, a ele associado e que se desenvolve, naturalmente.
Seguindo a obra Curso de Línguística Geral, de Ferdinand Saussure, por nós estudada decidi analisar estas palavras, primeiro em separado, para depois juntá-las como tendo um sentido comum. Tendo “muito” como significante (manifestação), o seu significado (ideia) assume-se como uma grande quantidade de alguma coisa: pessoas, dinheiro, árvores, etc. E a ideia que atribuo à palavra “mundo” é aquela perceção que temos do “mundo” quando somos pequeninos e desenhamo-lo como uma circunfrência perfeita- ou intencionamos que o seja, apesar de sermos incapazes de a representar, dada a pouca precisão das nossas mãos ainda muito tenras para o exercício do desenho- com partes verdes e outras azuis, representando, respetivamente, a terra e o mar.
Juntando estes dois significados, Muito Mundo é uma grande quantidade do que há nessa circunfrência, mas nessa circunfrência há tudo, há tudo aquilo que conhecemos, porque estamos restringidos a ela.
O que poderá ser este Muito Mundo, tendo em conta que é muito dele, mas não ele todo? Que muita parte é a que se refere e qual é a outra que não faz parte da muita, mas que a completa no Todo o Mundo? Devo pensar nele como o “meu” ou como o do “outro”?
Reflito e concluo que o que torna tão difícil perceber o que é esse Mundo é a incapacidade de perceber o outro. É o facto de estar tão focada em desvendar este primeiro mundo, quando há, na verdade, um outro Muito Mundo… que não é  meu, é do outro.
O primeiro impulso do ser humano, ao analisar algo, é focar-se naquilo que conhece e que lhe é mais próximo e familiar. Enquanto humana, também eu o fiz e deparei-me com a dificuldade de conhecer o meu Muito Mundo sem saber o que é o restante Mundo e a minha intuição foi achar que o meu Muito Mundo era maior que o restante, quando não o é. Porque, colocando-me no Mundo, no Planeta Terra, eu sou uma parcela infima, microscóspica no todo terrestre. Assim é o meu Muito Mundo. Cada um terá uma noção diferente do que é o Muito Mundo, apoiar-se-á nos seus gostos, nos seus valores materiais e imateriais para formular um Mundo seu, que para si é o Muito Mundo. A verdade é que é o conjunto dos Muitos Mundo que faz o Mundo Todo, imenso.
É maior o Muito Mundo de cada um quanto maior for o conhecimento do Mundo Todo, isto implica conhecer o Muito Mundo do outro. É através do conhecimento do outro que podemos nos definir a nós mesmos, porque o Mundo só pode ser total quando não houver o exercício egoísta (que eu própria exerci) de pensar que o meu Muito Mundo era maior que o restante e que valia por si, que o poderia definir sem saber qual era a outra parte. Não posso.
Segundo Rousseau, para a tal criança que representa o mundo através de uma circunfrência imperfeita, a sua noção de sentir-se bem com os outros e com o mundo depende fundamentalmente da noção de pertença. Ou seja, desde muito cedo que nos sentimos bem quando sentimos que estamos em conformidade com os outros, o que nos dá o tal sentido de pertença.
Porque é que quando crescemos e, com o desenvolvimento da motricidade fina, já conseguimos representar uma circunfrência quase perfeita, perdemos essa noção de unidade com o  outro e consequentemente com o mundo?
Sem me aperceber, cheguei a uma conclusão já por muitos debatido. Não pretendendo tornar-me repetitiva, nem repetir o que muitas vezes já foi dito: é através do conhecimento do outro que nasce o conhecimento de nós próprios, do mesmo modo que é impossível conhecermos o outro sem nos conhecermos a nós próprios. Ou seja, o conhecimento da Humanidade resulta, somente, do conhecimento do Mundo Total, o que implica o conhecimento dos pequenos Muitos Mundos de cada um. "Ponto".


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