Hoje, a oferta musical é extensa, mas há um
compositor ao qual teimo em regressar. Frank Zappa era muito ativo em relação
às suas posições na política, música, paternidade, educação e por aí afora e
raras eram a entrevistas em que o entrevistador perdia a oportunidade para
discutir estes assuntos com o músico. Olhando para o quadro geral das suas ideias,
há uma tendência que, para mim, permanece fundamental – a prioridade do
experimentalismo e da individualidade artística.
Frank Zappa viu a integridade artística da música ficar
cada vez mais em perigo , principalmente na década de 80 com o surgimento da
MTV e do consumo em massa de videoclips,
ou telediscos -. Era, então, cada vez mais difícil ter sucesso comercial no
mundo da música sendo-se músico no sentido mais fundamental da palavra – alguém
que se concentra na produção de música – e a indústria exigia cada
vez mais malabarismos. Zappa disse numa entrevista a 12 de agosto de 1984 à
própria MTV: «Olhemos para isto de forma realista, se uma pessoa gosta de
música, isso não é suficiente nos anos 80. Podes gostar de música e podes tocar
música, podes cantar, podes dançar, podes ter todas estas mais-valias, mas não
vais sequer chegar à “primeira-base” se não tiveres cabelo de ficção científica
e zippers diagonais na roupa.». O
fenómeno não é novidade e o exemplo da MTV avançado por Zappa parece-me apenas
mais uma expressão do poder da indústria cultural e de que falam Adorno e
Horkheimer, mas este interessa-me por ilustrar bem uma das ferramentas mais
importantes da indústria cultural – a incorporação –, que tirava liberdade às
pessoas, tanto às que produziam – os músicos – como aos consumidores. Não só a
criatividade dos artistas era castrada cada vez mais cedo nas suas carreiras,
como era dada ao consumidor uma falsa sensação de escolha. O produto deixava de
ser artístico e passava a ser corporativo. E os movimentos de rebelião que
nasceram, como o punk e o hippie, foram vítimas desta poderosa
ferramenta do sistema. Pessoalmente, considero-me de pouco movimento. Como diz
Agostinho da Silva, se nos cumprimos, para quê agitarmo-nos muito? Deixa andar. É como confiar a uma máquina a sua tarefa. No entanto, aflige-me se vejo que a liberdade de quem a quer está a ser manipulada
para o interesse de terceiros. A incorporação é aqui isso mesmo. Os dois
exemplos dados – o punk e o hippie – são dois dos movimentos mais
rebeldes, dois dos que mais anseiam por liberdade e, ainda assim, dois dos mais
utilizados a favor da indústria e das potências corporativas que criticam, que
usam as estéticas destes movimentos para vender. Se o digo, não o aponto em tom
acusatório a quem se identifica com certas subculturas, muito pelo contrário.
Digo-o para que encontrem, talvez, uma forma de se cumprirem e se expressarem
que considerem mais adequada aos seus fins.
No entanto, entendendo relativamente como funciona a
incorporação e como podemos preservar a individualidade, é importante notar
também o acontecimento que me parece ter sido um ponto de viragem na tendência
da industrialização da música. O surgimento da internet revelou-se, apesar de
tudo, um elemento democratizador desta forma de arte. A facilitação de todo o
processo, desde a produção musical à distribuição, veio catalisar a conexão do
público com artistas e obras que os representem mais verdadeiramente. Não é
raro hoje em dia ter acesso ao trabalho de artistas cujo estúdio de gravação é
o seu quarto e chega mesmo a surgir nos últimos tempos o conceito de bedroom pop. Deste modo, ainda que
devamos ter sempre o espírito crítico bem calibrado, é importante reconhecer as
melhorias que me parecem ter havido nos últimos anos em relação à preservação
das individualidades.
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