A sociedade mercantil moderna é forçosamente uma sociedade do trabalho, embora o simulacro liberal de entendimento de uma sociedade na qual os consumidores passam a utilizadores e os trabalhadores a colaboradores, parece ser consensualmente aceite no discurso instituído.
Žižek, identifica a sociedade actual como uma “sociedade em que existe uma espécie de identidade especulativa dos contrários” (Žižek, 2009). Esta dialética da “coincidência dos contrários” (Žižek, 2009), na qual a actualização de uma ideia coincide com o seu contrário, num relativismo liberal não ideológico, parece assentar sobre o mesmo fundo da actual paisagem ideológica marcada pelo raciocínio de que é a própria coisa que constitui a ameaça, o melhor remédio contra ela.
O que nos faz pensar num laxante de chocolate utilizado nos Estados Unidos. A sua publicidade anuncia-o nos termos de uma injunção paradoxal: <<Tem prisão de ventre? Coma mais chocolate deste!>>. Por outras palavras, coma o que lhe causa prisão de ventre para se ver curado de a ter (Žižek, 2009, p.27).
Servindo-se da lógica tipicamente pós-moderna do chocolate laxante, da simultaneidade causa/consequência, o mesmo parece valer para a violência simbólica social, encarnada na linguagem e nas suas formas, que na sua “forma mais pura manifesta-se como o seu contrário, como a espontaneidade do meio que habitamos, do ar que respiramos” (Žižek, 2009). Por outras palavras, há uma normalização da violência, potenciada e até explorada pelos media, que faz com que a própria sociedade assim o seja. Esta normalização e autorreprodução da violência, é responsável por um clima de tensão permanente, que resulta numa paranoia do potencial assédio pelo outro. A propósito deste tema, Žižek apresenta a exigência do “direito de não ser assediado” (Žižek, 2009) como afirmação da sociedade capitalista tardia.
Assim, a paranoia do potencial assédio contamina a tolerância ao outro, de tal modo, que se torna ela própria paradoxalmente potenciadora de violência, ou seja, o mecanismo de combate à violência, torna-se ele mesmo violento,seguindo a lógica do chocolate laxante e instaurando uma política do medo.
Referências:
Žižek, S. (2009) Violência – Seis Notas à Margem. Lisboa: Relógio D’Água Editores. ISBN 9789896410957.
Žižek, S. (2009) Violência – Seis Notas à Margem. Lisboa: Relógio D’Água Editores. ISBN 9789896410957.
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